A tal da religiao

Eu nao imaginava, em pleno 2007, perder uma amizade por causa de religioes diversas. Tao medieval, tao irreal e tao fora de moda.

Gosto daqui. O que eu mais me identifico com Milano é a diversidade de pessoas, de paises, de cores e credos. Em um dos dias em que minha sogra esteve aqui, me irritei com o comentario dela quando viu uma, das muitas mulheres muçulmanas, dentro de um shopping:

- Ela deveria voltar para o pais dela! - Disse minha sogra.

Eu nao acho. Claro, se é uma pessoa do bem, acho que é bem vinda em qualquer lugar do mundo. Com véu ou sem véu, o importante é dividir o espaço do mundo com todos, e ser amigo de todos. Se voce acredita que tem que usar o véu, se voce acredita que sexta feira é dia de descanso, se voce acredita que tem que se confessar ou se voce acredita em nada, ou somente no respeito ao próximo, tem que ser respeitado, porque acima de tudo somos seres humanos, o que eu tenho dentro de mim é igual ao que voce tem. E podemos viver bem juntos. Eu cresci assim, com uma mae catolica que casou com meu pai, judeu. Eu sou assim, acredito nas coisas que acredito, sem nenhum rotulo e convivo com um catolico. Tenho um irmao judeu e outro que frequenta(va) uma igreja evangelica. E esta tudo bem.

Outro dia, depois de um passeio juntos com outra familia, tivemos uma incompreensão. Porque a nossa familia saiu pensando que seria um passeio em conjunto ja que nao conhecemos Milano. A familia que nos acompanhava, fez tudo sozinha. Entravam de uma loja a outra sem esperar por nos. Justo? Claro que sim! Foi so incompreensão e falta de combinar algo antes do passeio começar. Faltou so uma frase dita por nos ou por eles, dizendo "vamos fazer tudo em conjunto?" ou "vamos nos separar e nos encontrarmos ao meio dia no Mc Donald's?". E assim, eu, Gian e Giulia, esperando por eles numa loja e quando nos demos conta ja estavam bem longe dali, almoçando, sozinhos. E eu, sem encontrar a lanchonete em que estavam, com Giulia no colo, chorando de fome, com sacolas e Gianluca ja irritado (óbvio) da manha de compras e entradas e saidas das lojas correndo atras da Giulia, entrei na lanchonete, os vi e comentei, talvez com uma expressao de cansaço: "Poxa, voces ja estao comendo?".

Nao era a minha intenção brigar. Nem passar nenhuma sensação de raiva ou indignação. Tanto que sentamos juntos, conversamos e ate fizemos depois uma guerrinha com a pistola de agua da Giulia. Estava tudo bem, ate que na segunda feira ela veio conversar comigo. Eu pedi desculpas e expliquei que a minha frase nao era por nada nervosa com ela. Sim, eu preferiria ter ido almoçar juntos, ja que estavamos juntos, mas nao deu, ok. Pedi desculpa se eu pareci ser agressiva, nao foi minha intenção e ainda contei de alguns dos problemas que estou passando. Ali, eu pensava em ouvir algum conselho de apoio e carinho da minha ate entao amiga. Mas ela foi alem. Nao aceitou, falou que sou agressiva sim, falou que as amigas dela sao diferentes porque tem Jesus no coraçao e ainda acrescentou que acredita que quem tem uma religiao, va para o inferno.

Otimo. Respeito. Mas entao a partir do momento que vc fala uma coisa dessas dentro da minha casa, ouça minha resposta. Mas nao. Ela diz nao discutir religiao. Ela so fala que vamos pro inferno por nao ser igual a ela. E ponto. Um tanto quanto egoista. Igual minha sogra que em sua plena ignorancia acha que a muçulmana tem que sair da Italia. "Volte para teu pais" ou "va ao inferno" tem o mesmo peso quando dita para alguem que nao é igual voce.

Eu sinto muito. Porque essa minha amiga é uma pessoa divertidissima, simpatica e me ajudou muito nos primeiros tempos por aqui. A minha tristeza hoje é "perder" uma amiga por uma incompreensão tao banal e tao antiquada que nao entra na minha cabeça. Nao posso entender. Porque a amizade deveria superar todas as diferenças, e talvez, num momento com esse, dar um apoio e dizer "Tudo bem, foi uma incompreensão, mas passou, vamos esquecer e aproveitar que agora conhecemos uma a outra e dos nossos limites, continuemos mais amigas e mais próximas". E comemorar a diferença de credos e aprender um com o outro, a melhor maneira de viver em tranquilidade e armonia com o proximo. Sem medo.